Denilson
Cardoso de Araújo
Em
texto recente, disse eu,
citando Djavan: “Pai e mãe, ouro de mina”. Únicos, raros,
preciosos. Luzem cifras do metal dourado, como brilha o sol que o
ouro inspira. Astro-rei é só um. Deviam ser um só em coesão e
harmonia na construção da família. Únicos na vida da criança, em
zelo, amor, disciplina e consciência. São raros. São ouro.
Costumamos dizer sempre: “Mãe é uma só”. Respeitosamente,
sacudimos a cabeça, confirmando. Mas, e pai?
Em
certo momento, na Bíblia, se inscreve que multidão de conselheiros
dá sabedoria. Salomão zela pela humildade do aspirante a sábio.
Sabe-se lá se achava todas as mulheres tão conselheiras e sábias
a ponto de delas tanto acercar-se... Fato é que deve ter descoberto
que inflação de mulher desvaloriza o casamento. Monogamia é
conquista civilizatória. Conquista da mulher. Conquista da família,
que se faz destas boas raízes: pai e mãe.
Pais
muitos ou excesso de mães podem exercer sobre filhos o mesmo
desenlace desairoso que se abateu sobre o Rei Salomão. Excesso de
diretrizes dá em perdimento de sabedoria, riquezas e Reino. A
descendência de tantas mil mulheres cobrou partir-se em tantos mil
cacos que dissolveram Israel. Assim vejo a situação atual. Famílias
esfaceladas, descendências decadentes. Ruína moral, financeira,
afetiva e psicológica.
Como
chegamos a esta situação? Ficou fácil casar. Ficou fácil
descasar. Operação de balcões, dispensa togas, cerimônias.
Banalizou-se o casamento. Quase vésperas de casórios tipo Las
Vegas, onde a noite de bebedeira dá em cerimônia de noivo Elvis e
noiva Marilyn. Divórcio certo.
Nas
escolas onde milito, quando vou explicar a necessidade de compreender
a conjuntura da qual chegam aos professores os alunos que os
agredirão, costumo elaborar a história que segue.
O
casal se uniu, apaixonado. Consumiu este sentimento pueril em muito
sexo. Veio um filho. Nascido, o homem requisita a mulher e, se normal
ela for, a descobre, dividida em necessários carinhos ao rebento,
com mais dores de cabeça. O homem suporta. Ama o filho, o acarinha.
Mas é impaciente. Quer seus caprichos.
Um
dia este homem amoroso pai, mas inconformado com a redução dos
afetos que crê merecer, encontra no cafezinho a admirada colega que
lhe dá conforto e colo. No chopp pré rush, repara. Bonita. Reparte
o copo e a conversa. Há química. Um afeto. Mãos se tocam. Surge um
bilhete. Um encontro furtivo. Lá vai o cidadão ao mesmo erro do
início. A paixão novamente o arreia, desarmado.
Louca
paixão que enlouquece o novo casal. Vorazmente se consomem os
corpos que se procuram. O drama de consciência desfaz o casal
anterior. A traída, magoada grita e reclama. Traição, a boca se
amarga com a palavra. E separam-se, o filho observando da janela o
pai que se vai.
Surge
a companheira inevitável desses momentos. A imensa e sólida culpa
que se abate sobre todos. A mãe, se culpa. Criará filho sem pai.
Poderia ter suportado um tanto mais... quem sabe era só aventura,
mas não, foi traição, aquele canalha! O homem que partiu, fica
esquizóide. Ferve na paixão, murcha na lembrança do lar que
deixou. Gosta da ex-mulher. Um dia, o burro segreda à mãe de seu
filho, queria que você também tivesse a chance da alegria que estou
tendo. Um idiota bem intencionado, machuca mais o coração da ex.
Mas um dia percebe. Há um filho. E baixa a culpa. O filho, a parte
mais frágil e menos considerada disso tudo, culpado se vê. Não
verbaliza, sequer constrói alguma lógica sobre esse sentimento, mas
sente. O que teria feito, que levou o pai a deixar o lar? Pergunta,
abandonado na praça do mundo.
Nos
intervalos da paixão o pai visita o filho, desregradamente. Dá em
briga. Vai-se a um juiz. O pai quer ver o filho a qualquer hora. Teme
perdê-lo. A mãe não consente. A sentença, pelo sim, pelo não, dá
a visita quinzenal. Espaçado demais, protesta o pai. A assistente
social o conforta com a frase mágica. O que importa, pai, não é a
quantidade de tempo, é a qualidade do tempo que se passa com o
filho. Uma luz se acende no coração desse pai esperançoso.
No
primeiro fim de semana o pai recebe o filho. E mostra a sua péssima
compreensão do que é “qualidade”. O filho tem banda de música,
foguetes, bolo de aniversário fora de época, brinquedos
irresistíveis, filmes violentos que não veria anteriormente,
chocolate bastante. Estragos mil. A criança derrete-se, feliz. O pai
se desmancha, feliz. Volta o filho à mãe, estragado de confortos,
desregulado de horários, pilhado de filmes indevidos, uma semana de
diarreia de chocolate excessivo. A mãe fica furiosa. Ele não pode
comer tanto doce! Você sabe que não quero ele jogando esses games
violentos, você sabe!
O
pai, receoso, não querendo ver cortado qualquer item dos seus
privilégios quinzenais, diz que vai corrigir os erros, que não se
repetirá. Etc. No fim de semana seguinte, ele recebe o filho... e
faz tudo igual! Banda de música, chocolate, festejos, mimos
indevidos. Só que a tais erros ele acresce a fatídica frase em tom
de cumplicidade pai e filho: não conta pra sua mãe não, tá?
Ensina o filho a mentir! O filho não conta. Mas a mãe percebe que o
guri está simplesmente a-do-ran-do o parque de diversões paternal.
Ganha-lhe o filho, ela pensa. E cede. Permite coisas que não devia,
para equilibrar a nefasta balança. A criança gosta. Tem dois
adultos para manipular. Vamos piorar essa história?
Surge,
ao lado do pai, a... madrasta! Ora, o sonho de toda madrasta é ser
“boadrasta”. Ela olha pro menino que ela nem percebeu existir
quando a paixão a cegou. Coça a cabeça... é... tem essa pequena
encrenca aí né... será que vale a pena? Vale a pena, estou
apaixonada, e a paixão pode tudo, conclui. Para manter seu homem,
precisa conquistar a criança. Faz-lhe as vontades, cobre o menino de
indevidos agrados. O pai fica feliz, a madrasta sonha ser chamada
mamãe, e o menino fica bacana. Três adultos para manipular? Ele
gosta! Quer piorar um pouco isso tudo?
A
paixão... sempre sorrateira, atacou a desconsolada carente. Ela,
descuidada, engravida do cavaleiro andante de araque. Surge do lado
de cá, o padrasto! Já na gravidez, rusgas com o filho do outro, que
reage ao desequilíbrio no seu reinado de adultos bobões. Se
desentendem. Vias de fato. A paixão bota panos quentes. Mas quando
nasce o filho mais novo, as coisas pioram.
Se
é família humilde, o padrasto vira-se para a mãe, apontando o
garoto que o rejeita e anuncia: “Não vou pagar comida para esse
moleque não... não é meu filho!”. A mãe, desconsolada, vai ao
pai, que agora, tem filhos novos por lá, paixão demais e dinheiro
de menos. O filho do início, de imperador, descobre-se enjeitado de
todos os lados. Um dia, o padrasto impõe. Não mora mais aqui. Dá
teu jeito, mulher. E aquela mãe, sofrendo ainda a síndrome do
anterior abandono, pensando em garantir o novo casório precário,
faz o impensável. Consente.
O
filho vai morar com a avó. Como toda avó, esta nossa senhora da
história tinha todo o direito a ser mãe com açúcar. Mas não dá.
O neto lhe chega coberto de manias, desequilibrado de horários,
desconhecedor de respeitos, repleto de vontades. E a avó, criada em
outro sistema, passa a endurecer o jogo. O menino não gosta... Um
dia, resolve ir morar com o pai.
O
pai fica emocionado. Abre cerveja com amigos. Olhos molhados, diz.
Tive uma vitória, meu filho me escolheu. Quando um colega me
confidenciou essa emoção, disse: meus pêsames. Não deu outra.
Quinze dias depois estava aquele pai na Vara da Infância, ou no
Conselho Tutelar, querendo dar o garoto pra alguém consertar! E quer
saber como isso... ainda piora mais?! Incrível que possa ocorrer,
não é? Pois ocorre. Nas escolas, professores se acostumam com
alunos que tem 04 irmãos de 04 pais diferentes.
Pais
demais, mães demais. Uma forma particular de orfandade. Inflação
parental que desvaloriza o afeto real, o amor exigente que sempre
deve ser o ensolarado amor de pai e de mãe. No excesso de pais e
mães, demasia de facilidades e frouxidão. O garoto não obedece a
ninguém, e aprende a manipular a todos. Quando não aprende a jogar
uns contra os outros. Filhos assim crescem sem chão. Qualquer chuva
os desabriga. Qualquer disciplina os afronta. Qualquer exigência da
vida, eles explodem. É como chegam, ensinados a mentir, adestrados à
frouxidão, treinados em manipulação de adultos, assim chegam, às
pobres escolas desarmadas para tanta demanda psicoafetiva.
Não
precisamos pôr crianças e adolescentes em presídios de adultos.
Não precisamos de leis de proteção a professores. Todas essas
medidas incorretas e paliativas atacam sintomas. Se queremos curar o
câncer, precisamos é devolver às crianças os pais e mães –
poucos, raros, únicos, ouro de mina - a que têm direito. E para
isso é preciso revalorizar a família. Restituir seriedade ao
casamento. Resgatar o espírito de renúncia e sacrifício que sempre
presidiram a construção dos verdadeiros relacionamentos saudáveis.
Renúncia e sacrifício que permitem colher resgates de afeto e
recompensa de satisfação de proles trilhando virtuosos caminhos. A
isso só chega se enfrentarmos o nosso egoísmo e combatermos a
idiotia da paixonite que adolesce adultos em sentimento menor, insumo
de produção do mercado capitalista.
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