Denilson Cardoso de Araújo
Entrei na escola já com sensação de fracasso. Briga no pátio! Três meninas se estapeavam. Turba de alunos ciscava em volta, estimulando o pior. Na véspera, um aluno mandara a Diretora “tomar naquele lugar”. Outro avançou sobre uma docente com um pedaço de pau. Surras de cinco contra um ocorreram. Desanimei. Pensei ir embora. Mas rejo-me pelo conceito que defendi em poema, do “poder do pensamento negativo”. Não é maluquice. Desde de Norman Vincent Peale e seu “O Poder do Pensamento Positivo”, ficou incorreto pensar-se o pior sobre qualquer coisa. O problema é que, muitas vezes, vi em mim e em muitos otimismos pueris. Que esperam jardins, mesmo quando já no lodo se está e a laje das expectativas melhores já desabou-nos.
Otimismo-Pangloss: tudo sempre ótimo neste mundo excelente. Ainda que podre, eis que outro não há. Otimismo-Polyana. Infantilmente esquece fracassos que espreitam na estrada da boa vontade inocente. Quebrei muito a cara, porque não contei com tropeços, topadas, quedas, mentiras, traições. O homem é humano. Truísmo que refere o ente em seus limites. O humano tem apetites, desejos, vanglórias, invejas, vaidades. Um dia apodrece e o que lhe é sublime se esvai. Penosa tarefa, exercer na corrupção da matéria o sublime. Difícil até para santos. Apóstolo Paulo: “o que quero não faço, faço o que não quero”. Somos corruptíveis, fracos, menores. Temos que contar com vilezas nossas e de outros. Planejar a vida em cego otimismo dá cruéis frustrações.
Não defendo pessimismo. É burrice sofrer hoje o mal que só ocorrerá amanhã, quando então, sofrerá o depois de amanhã, contando a depressiva vantagem do “eu sabia...”. Defendo que se saiba que a vida é surpresas, nem tudo se planeja ou controla. Tombos virão. Saiu de carro, batida pode ocorrer. Tem filhos, podem adoecer. É professor? Desrespeitos virão. Drª Inês Joaquina, lendária Juíza da Infância e da Juventude, ensinou-me. Não se pode ser de vidro, Denilson. Então, você trabalha com infância e juventude, dá aulas, palestras, é pai, precisa saber. Crianças enguiçam, respondem, maltratam, adoecem. Adolescentes se enfurecem, aborrecem, revoltam-se. Sofrem dores do crescimento. Criança quieta ou adolescente perfeito é coisa inexistente.
Seja adulto, haja como tal. À criança é dado o enguiço e a aporrinhação. É do adolescente a oscilação de humor, a selvageria súbita. Você é que deve saber que essas coisas sempre ocorrerão e que a você cabe calma e controle dos nervos, repor as coisas nos lugares, impondo regras e castigos indispensáveis à saúde moral de alunos e filhos.
Dito isso, volto à escola da qual hoje quase desisti. Repreendi-me. Deixa de ser frouxo, rapaz! Quer o quê? Escola sem problemas? Vai dar aula em pós-graduação de freiras! Não seja de vidro! Fiz meu trabalho. Palestra de duras palavras. A vontade de arrancar corações dos peitos adolescentes, incendiá-los de luz e devolvê-los com o calor da indignação que pode salvá-los. Deu-se esse incêndio. Palavras de fogo cobraram postura e atitude. Acima de tudo, mostraram como o mundo hoje se tornou arapuca de destruir futuros, com sexo precoce, funk pornográfico, sertanejo de alcoólatras, droga fácil, “bala” em baladas. Eles viram. A verdade, que liberta!
A emoção fez-se arrependimento. Lágrima. E, em dada altura perguntei. Quem tem que desculpar-se com alguém. Mãos se ergueram. Vamos resolver isso agora! Corajosos meninos e meninas levantaram-se. Um a um pediram e deram perdão a colegas, professores, funcionários. Abraços de reconciliação.
Ao final, sugeri aos alunos uma coisa simples. Tão linda, tão esquecida. Com a equipe escolar fora do auditório, retornei-os, um a um. A cada entrada de educador, fosse merendeira, professor, inspetor, os alunos se levantaram, respeitosamente, como antigamente. Reverência ao mestre. Espoucaram palmas de emoção e lágrimas brilharam. Ao final, mil abraços. Ora, que fracasso que nada, essa escola vai ter recomeço!
No Projeto Escola da Paz, sexta-feira, alunos de aos menos 20 escolas de Petrópolis, fizeram o Dia do Respeito ao Mestre. Professores recebidos em pé. Simples assim. No cartaz de divulgação escrevi: “Sua avó fez e foi bonito; Sua mãe fez, foi bacana; Você vai fazer. Será inesquecível! – Levante-se para o Professor.” Levantemo-nos todos.
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