Denilson
Cardoso de Araújo
Para
concisão de título, resumi a frase costumeira, que diz: “não
queria que meu filho passasse o que eu passei”. Não é frase má,
em si. Afinal, quem passou fomes, pestes, desabrigos, tragédias, têm
muita razão de buscar a prática da protetora prudência que a frase
anuncia. Evitar que filhos percorram vales da sombra da morte é
parte das tarefas parentais.
O
problema se dá quando a conjugação de uma pedagogia de amor
meloso, conjugada com leitura insana dos direitos infantojuvenis, e
estimulada por uma mídia que sequestra proles para descaminhos de
sexualidade animal, culto aos desejos, relaxamento de autoridade,
leva pais a pronunciarem essa frase se referindo não à tragédia,
mas sim aos pequenos dramas corriqueiros, necessários à
constituição do ser.
Em
palestras para pais faço sempre a ressalva importante. Trate bem o
seu filho, pai! Cuide bem sua prole, mãe! Se puder, evite que tenha
que dormir no chão ou sob goteiras. Se puder, evite que tenha que
comer pedra. Impeça que tenha que rasgar-se em deslizamentos. Impeça
os sofreres cruéis. Mas, pai querido! Mãe amada! Jamais retire as
pedras inerentes ao caminho que teu filho escolheu, ou as
corriqueiras rochas que a vida a todos reserva! Quem não aprende a
pisar rochedos, não encoura o pé. Quem nunca tropeça, não aprende
a cair. Quem jamais padeceu quedas, jamais aprenderá a dignidade de
levantar-se e começar de novo.
Temos
pais e mães que, na ânsia de “fazer bem” aos filhos, cometem
homeopáticos assassinatos da sua personalidade. São pais e mães
que andam de chinelos para que o filho use tênis de marca. Que fazem
prestações impossíveis para que o filho tenha o tablet que,
chantageou ele, “todo mundo tem”. Os que se esfalfam de trabalhar
para custear ao filho aulas de teatro, sapateado, origami, kumon e
javanês. Um dia, chega a mãe em casa e pergunta, quem é mesmo este
rapaz, desconhecendo aquele que saiu de seu ventre.
Filhos
criados sem qualquer dificuldade se tornam reis da cocada preta sem
merecimentos. Nobrezas sem lastro. Príncipes do nada. Gastadores
irresponsáveis. Debulharão eventual fortuna ou economia familiar,
como quem atira milho ao galinheiro, porque jamais conheceram a dor
das mãos no cavoucar lavoura ou o corte na pele ao colher espigas. A
miséria será sombra desse filho frouxo que jamais viu peso nos
ombros.
Costumo
bradar aos pais com muita ênfase... Qual o problema? Ah, você teve
que andar à pé pro trabalho porque faltou dinheiro pro ônibus?
Teve que usar sapato furado, forrando o fundo com jornal? Teve que
lavar roupa de tarde pra usar no outro dia de manhã, porque o
guarda-roupa era escasso? Teve que comer sopa de folhagens ralas do
próprio acanhado quintal porque não houve dinheiro pra feira?
Quando jovem teve que trabalhar quando todos os colegas iam passear
depois da escola? Passou tempos de uma só refeição por dia? Sim, e
daí, meu amigo? Você não está aqui, lúcido, digno, ouvindo essa
palestra, vestido, alimentado, com trabalho, criou filhos, os trouxe
à escola? Por mais que ainda lhe seja difícil a vida, não obteve
você vitórias sobre aquelas dificuldades? Então! Não foi a
facilidade que te trouxe aqui, que te vestiu e pôs comida na sua
mesa! Foi a dificuldade! Ela é que nos constrói! Orgulhe-se, pai,
orgulhe-se mãe, das dificuldades vencidas, que te fizeram pessoa
mais valorosa!
Portanto,
não queira filho faminto ou tuberculoso. Lute contra a miséria, mas
queira um filho que de vez em quando, se você tem carro, vai ter que
andar de ônibus pra saber o que é sofrer transporte público ruim!
Que vai ter que, de vez em quando, mesmo que você tenha dinheiro pra
dar, ficar sem dinheiro para o ônibus, para aprender com quem
caminha até ao trabalho, como é esse lidar. Um filho que nas
férias, ao invés de ficar na rua soltando pipa o dia inteiro, ou de
ir à Disney abraçar o Mickey, vai trabalhar para ajudar as finanças
da família. Serão mais fortes filhos que não ganharão carros
bacanas apenas porque passaram na faculdade. Serão melhores adultos
as crianças que não terão celulares desnecessários, precoces
elementos de frívolo status exibicionista.
O
caráter precisa exercitar a musculatura. A academia do caráter é
a dificuldade. Que não se queira para os filhos a penúria perene é
correto, saudável e necessário. Mas, assim como a águia atira
fora do ninho, ao susto da queda, os filhotes que hesitam em sair
para aprender a voar, melhores seres humanos serão filhos de pais
que, não só não os cobrem de requintes e facilidades, como ainda
os brindam com a escola da dificuldade controlada.
Todo
mundo deve recordar que o assassino de Isabela Nardoni, após atirar
a filha pela janela, correu a chamar o pai para desatar o hediondo nó
que amarrara. Típico do “filhinho de papai” que passou a vida
tendo quem lhe abrisse portas, desobstruísse caminhos, aplainasse a
estrada. Agora sim, repita comigo: Que meu filho não passe por isso!
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