Denilson Cardoso de Araújo
Digo na palestra. O ECA é uma lei de cidadania! Mas todo mundo fica pendurado na palavra “direito” grudada ao Estatuto e não altera o foco. Digo. Lembra na aula de português, as dificuldades com a tal da “interpretação de texto”? O que será que a professora maluca quer que eu responda, meu pai, a gente indagava. Li as palavras, respondi com as palavras, o que mais ela quer? Palavras. Este, o problema! A gente se agarra às palavras e esquece que carregam coisas por dentro. Palavra é só a roupa que veste uma ideia.
Como avião. Escuta. Crianças, em áreas de guerra, quando ouvem motores de avião, correm para debaixo da cama, se encolhem em abrigos, colos de mãe. Avião traz bombas, elas sabem. Sofreram. Crianças, em regiões de turismo, quando escutam avião, correm para cercar visitantes nas praias, porque sabem. Avião traz gente que compra coisas, vai ter gorjeta, a comida na mesa vai melhorar. Mas imagine a criança da Bósnia em guerra, que um dia está no Havaí e escuta um avião. Crianças correm para a praia, mas esta, aterrorizada, coitada, se esconde debaixo da cama. Só conhece avião de bomba. E de bomba, aquele não é. Tem que saber o que o avião tem por dentro. Palavras são assim. O que todas essas repetições da palavra “direito” nos trazem? Bombas não são. Trazem boa notícia. Cidadania, vejamos.
O artigo 53 do ECA começa dizendo que crianças tem direito à educação. Aprendemos, veja no meu texto “A arte da poda” (disponível na internet). Educação é cultivar uma planta. Precisa semente, terra, água, sol... e poda! A lei garante aos filhos de vocês, alunos de vocês, o direito inalienável que eles têm de serem “podados”! Restringidos no que fazem de errado, no galho que se desperdiça na erva daninha, na folhagem que se assanha para nada, na festa imprópria em que te pedem pra estar. Um “não”, na hora certa, é tesouro, tesoura das boas. De ouro. Deveres, limites, poda preciosa.
A lei ainda diz que educação existe para que seu filho tenha “pleno desenvolvimento da sua pessoa”. Falei já sobre a “Geração de Idiotas”, veja este texto, também na internet. Adolescentes que não crescem, é o que mais há. E o ECA nos obriga a fomentar seu desenvolvimento. A lei não quer – nem você deseja - filhos ou alunos que ajam como bebês, regidos pela idiotia do princípio do prazer, comandados pela irresponsabilidade. Pessoas que se desenvolvem - e a lei quer que seu filho se desenvolva - sabem. Não há só prazeres, a vida tem dores e esperas. Pessoas que se desenvolvem aprendem responsabilidade, freios, silêncios. Obrigações desenvolvem pessoas. Os famosos limites, aí estão.
A lei quer também que os eduquemos para “o exercício da cidadania”! Direitos, e o que mais, gente, eu pergunto... Deveres! Completa a plateia, com mais alta ênfase. Claro está, neste “avião” da palavra direitos, que a cidadania ali mora, estão lá as obrigações.
Mais um pouco de hermenêutica do ECA? Ainda se diz que devemos lhes conceder “qualificação para o trabalho”. Quem gosta de rasa leitura, vai achar que isso é só ensino profissionalizante. Na verdade, uma pessoa que se completa e aprende deveres, aprende trabalho. Treinamos para o trabalho sempre que educamos. Aluno que descumpre prazo de dever, que chega atrasado na escola, que não cuida do uniforme, que não está nem aí, não será bom trabalhador. O contrário, o cumprimento da obrigação escolar qualifica ao trabalho.
Paro aqui esta amostra de um dos textos do meu livro, “Enterrem meu coração no pátio da escola”. Em breve.
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